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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Da religião e a morte


A minha mãe buscou conhecimentos a vida inteira. Ela estudava sobre tudo, o tempo todo. Durante muitos anos da vida, foi cética em relação a muito, mas nunca desistiu de procurar. E foi no afro que, há uns sete anos, encontrou o que procurou por tanto tempo. Não sem antes se desiludir. E era notável como lhe fazia bem, tudo aquilo.

Ela conviveu com uma doença autoimune por quase dez anos. Na maioria dos casos, a sobrevida é de uns dois. E ela venceu um câncer no meio do caminho. É muita força de vontade. Não acredito que haja quem faça isso sozinho, então só posso acreditar que ela teve muita ajuda. O meu ceticismo atrapalha, mas tem alguma fé, meio cega, que me faz acreditar.

Eu não acredito em um Deus onipresente. Ah, sim, eu acredito em Deus. Vários amigos meus já se impressionaram com essa informação. De toda forma, dualidade. Acredito que o mal seja a ausência do bem. E que Deus seja o bem. Dito isto, se o cara estivesse em todo o lugar, esse mundo seria muito diferente.

Sinto falta do erê. Ina'ara, pedrinha de fogo de Oyá. A criança mais engraçada que já conheci. Outro dia sonhei com ela. A gente conversava qualquer coisa que era corriqueira nos nossos encontros. Foi muito real. Acordei chorando.

Acredito no conhecimento. O mundo é vasto demais, e há áreas demais a se explorar, pra ficar preso a um só tema. É o que me incomoda nos fanáticos. Obviamente, há de haver os especialistas, se não, fica todo mundo com conhecimento superficial em tudo, mas meu maior desejo é continuar ignorante.

Comecei escrevendo com o propósito de falar da morte, e até agora, nada. Só mostra que a gente evita mesmo, a todo custo, falar dela, apesar de ser a única certeza.

Da DPC


Não tinha ressaca, só cansaço. Frio. Agito na casa, um pouco de correria. A obrigação moral que assumi de alimentar os amigos bateu e corri pra cozinha, fazer a última refeição, de tantas, tão divertidas. Tudo pronto e partimos. No megafone, o último suspiro - “Desculpa, Guaramiranga!”.

A viagem de volta foi tranquila. Trânsito mesmo, só na entrada da cidade. Desarrumar as malas e descansar, mas não sem antes relembrar, com os amigos, os momentos engraçados.

Encontro uma amiga que há muito não via pra tomar um café e ela descobre, um pouco mais tarde, que a tia tinha acabado de falecer. Fulminante. Conversamos sobre a falta de preparo que a nossa cultura tem com a morte e ela vai pra casa, quando se acalma.

Fome e preguiça. Ligo a uma amiga e a convido a comer alguma coisa, só pra não ir só. Comemos um pastel que alimentaria uma família e nos despedimos, por fim, do feriado.

Em casa, mais momentos de saudosismo. Risadas. O cansaço incomoda e a solidão também. Banheiro limpo, cama confortável, silêncio. Tudo isso é estranho. Tento dormir. Levanto pra ir beber água incontáveis vezes à noite, me acordando sempre em uma posição estranha. As últimas noites de sono duraram, em média, 4 ou 5 horas, mas os dias eram longos e havia sempre muita disposição. Essa noite, que durou umas 10, numa cama enorme e com essa falta de barulho, foi insuportavelmente cansativa e eu acordei um caco.

Esse foi o melhor destes feriados que já passei e para tanto, bastou estar entre amigos, antigos ou não. Hoje, de volta à rotina, bate a depressão pós carnaval.


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Asfixia


Mais uma noite acordado. No computador, jogando ou assistindo tevê. Ela me pediu um mamão. Cortei o mamão e fiz um arranjo com alguma folha, só pra ver um sorriso. Fazia tanto tempo que ela não sorria. Ajudei a levantar e fomos deitar. Ela disse pra eu ficar com ela um pouquinho, que tava precisando de ajuda. Fiquei lá, conversando. Adormeceu. Continuei lá, no computador, até o pai acordar. Ele me falou pra ir dormir. Não cinco minutos depois eu escutei os gritos.

Nunca vou esquecer os gritos.

Ambulância? Agonia. Boca a boca descoordenado, desespero. O ar entra no estômago e provoca refluxo. Mamão. Meu irmão acordou sem entender e quando entendeu, paralisou. Carro. Corre. Medo, pressa, adrenalina. A 120 no curto caminho até o hospital. Ela já tinha ido.

A notícia do médico foi como atravessar a faca. Um abraço apertado no pai. A perda é incomensurável e os dois estavam perdidos. Preciso voltar em casa, só. Encontro uma amiga, vizinha, no caminho e conto. Chego e meu irmão já sabe o que houve. Nos abraçamos e ele fala que vamos passar por isso - “vai dar tudo certo”. Quebro uma janela. Soco uma porta. Soco uma porta. Soco uma porta. Sangra e paro.

A saudade dilacera. Durante uns dez anos da minha vida, me acostumei a dormir de dia. Um dos últimos foi o dia mais difícil da minha vida. E da dela, o último.


Escrito em 20/02/2012