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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Poesia de Cláudia Antônia

Hoje encontrei uns poemas da minha mãe. São todos de 2010. Gostei deles, principalmente o Esfinge.

Esfinge

Queimo em febre e noite alta penso
Somente chamas e meu corpo insano
São labaredas de um sentir intenso
Febre, fogueira que está me queimando
Condeno à cinza o pouco de senso
Qual inquisição o que estou passando

Nos desvarios de suor e febre
Sou a maçã, vermelho-sangue, quente
Quero enroscar-me em ti, sou a serpente
Mordo teus pés, para lambê-los leve
Nas piruetas do inconsciente,
Sou tua Eva, e o meu sexo ferve

Alucinada, esfomeada e louca
Sou fera, bicho, um ancestral humano
Quero engolir-te de um modo profano
Pra diluir-me inteira em tua boca

E nessa febre que me faz insone
Vejo a esfinge que aos homens consome
Ou deciframos as trevas do mundo
Ou nos devora o amor mais profundo
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Passagens

A consciência de seres mortal
Um dia entra súbita em teu ouvido
Fazendo por si mesma um alarido
Por ter chegado a vida ao seu final

Abandonado, perto à mesa, triste
Melhor beber para sentir depressa
Tudo de bom que nessa vida existe
Não mais terás, se ajoelhando peças

Sentes agora a tua alma presa
À solidão fantasma que aparece
Dá-te veneno, ordena que tu bebas
Rezar por ti, jamais, nenhuma prece
Embriagar-te, para que tu vejas
Teus  pensamentos loucos sem disfarce
Grudar-se em ti como a boca que beijas
Na despedida de um último enlace

O teu cortejo, o eu que te acompanha
Numa estrada longínqua e vazia
Ao teu redor imensidão tamanha
Não mais relembras de uma companhia
Mais outro gole da bebida estranha
Lembranças vagas de um belo dia
Brisa num campo que flores assanha
Tu foste feliz e não sabias
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Primavera sob a terra

Cores, aromas, festa, noites e dias iguais
O novo de novo acontece,
Fazendo alegorias e o que a gente desconhece no mundo dos fractais
Alvorecer, entardecer, crepúsculo, o outro é demais – dilúculo, isso não se faz!
Equinócio, primavera, a Terra, exuberância poderosa
A eclíptica como anzol, atirado em seu percurso,
Sem dispêndio de recurso, alinha-se, esplendorosa,
Enfeitada para o sol
Meu coração não tem festa e a fina flor do que sou - a bela,
Adormecida, largada, mãos sobre a testa, anda não acordou;
Dormindo, não sei o que está sentindo
Não sei onde está seu sonho, talvez, uma desconfiança,
Mãos  dadas ao coração correndo  a vizinhança,
Quanto a mim, em sono eterno, fiquei sozinha aqui,
Parece que sem sentidos, não sei, não quero, não vi,
Não há som de cachoeira que borbulhe em estalidos
Nem vôo de borboleta que me atravesse o olhar,
Nem zumbido de abelha para soar em meus ouvidos,
Nem essa rosa vermelha, pintada neste vestido, nada, nada, não há
Neste momento tudo parece perdido
Nem o doce daquele mel que a abelha fez com a flor,
A flor que, cascata abaixo, foi encontrar seu amor
Beija-flor, que suga o néctar e agita as asas no céu,
Resfria-se nas águas finas e já vai saltando abismo
Rochas vestindo véu, tecido de preciosismo
Que se espargem em ouro e prata, aquecidas pelo sol,
Majestoso um girassol
Iluminando a paisagem,
Festa de flores no céu, aroma, cor, doze horas para a noite
Doze horas para o dia, noites e dias iguais
A primavera chegou e eu não acordei nunca mais.

domingo, 23 de junho de 2013

Do vandalismo

Vandalismo é o cacete.

Pode soar hipócrita porque eu falo tanto em distribuir o amor. Oras, eu sou pacifista. Mas esse é o meu papel nessa luta. Eu tenho medo sim de apanhar. De ser preso e até de morrer, mas não é por isso que eu não sou violento nos protestos. Não sou porque ainda me considero incapaz de sê-lo. Pegando um trecho de um texto de Mateus dos Anjos, "Pichação foi, e sempre vai ser, uma maneira de trazer um grupo oprimido pro centro da cidade, aonde eles não tem espaço. A pichação só é agressiva porque nos lembra de um grupo que é sempre esquecido. Fora isso, é só tinta sobre tinta".

Vandalismo é o que se faz lá dentro. Um prejuízo de alguns milhares de reais pra um banco não é nada se comparado aos bilhões do multiplicador que o bacen mantém pagando os juros deles, todos os anos. Derrubar um radar ou riscar um carro da AMC, que no trânsito oprime e não educa, mas só funciona como fábrica de multas, não é vandalismo. Fazer piquete e jogar ovo na frente da casa do filho da puta envolvido comprovadamente em escândalos de corrupção e desvio de verbas não é vandalismo.

Discordo da depredação do patrimônio público e histórico, mas ali, no furor da batalha, as coisas podem acabar tomando rumos indesejados. Eu e a grande maioria de vocês que vão ler isso aqui fazemos parte de um nicho que representa a elite intelectual e financeira do país. E nós estamos com raiva. Imagina o tamanho da raiva de quem faz parte da base, que não teve acesso, primeiramente, a educação e é reprimido desde que o país é o país. Essa galera tá puta pra caralho. Essa galera vai descer o cacete. É a maneira que eles têm de se manifestar. Quem não os educou  nem serviu, quando devia, que pague.

O protesto pacífico é importante, se não instauramos uma guerra civil com muito fogo amigo. E o protesto violento é feio. É desconfortável. Causa medo. Mas é necessário.


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Vandalism my ass.

It might sound hypocritical since I talk so much about sharing the love. I mean, I am a pacifist. That's my role in this fight. And yes I am affraid to get hurt. I'm affraid to be arrested and even to be killed, but that's not why I'm not violent at the protests. I am not because I still consider myself uncapable of being so. Borrowing a snippet from Mateus dos Anjos text, "Pixação was, and always will be, a way of bringing a repressed group downtown, where they have no space. Pixação is only aggressive because it reminds us of a group that is always forgotten. Other than that, it's just ink over ink".

Vandalism is what they're doing in there (congress, senate etc). A few thousand reais loss to a bank is nothing compared to the billions the Central Bank spends only to keep up with their interest every year. Toppling a speed radar or keying an AMC (a third party fiscalization company that controls traffic in Fortaleza) car, that in traffic only opresses and does not educate, but works as a fine machine, is not vandalism.  Picketting and egging the house of a son of a bitch involved in corruption scandals and fund diversion - when there's proof of this - is not vandalism.

I disagree with depredation of public and historic property, but in there, in the heat of the battle, things might take unwanted turns. The vast majority of those reading this - myself included - are part of a niche group that represents the intelectual and financial elite of the country. And we're angry. Imagine the dimmension of the anger of those who are part of the base, who did not have access, primarily, to education and have been repressed since this country is this country. They are fucking pissed off. They're tearing shit apart. It's the way they have of manifesting. Those who did not educate them or served them, when they should have, are to pay.

Peaceful protesting is important, or we might establish a civil war with lots of friendly fire. And the violent protest is ugly. It's uncomfortable. It strikes fear. But it is necessary.


* Thanks Ed Bear for the english feedback.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Da revolta do Vinagre

Não tem dois anos eu reclamei por aqui de como o povo era anestesiado e só reclamava quando o Brasil perdia um jogo de futebol. E hoje eu tava junto de mais de 80 mil cagando pro futebol. Nas ruas, pra ser ouvido, reclamando de toda essa merda. Sinceramente não pensei que o dia fosse chegar. E foi lindo.

Não me feri. Não sofri com o gás. Levei um isopor com água gelada pra distribuir pra galera que precisasse, barras de cereal, vinagre e flores. Tava carregando uns 20kg de coisa, daí não tinha muita mobilidade e não fui pro fronte. Fui pra distribuir o amor mesmo (ou pros minigueimeiros, joguei de support).

Confesso que não estava preparado pra tanta gente. Muito menos pro tanto de violência utilizada. Mas valeu a pena.

Cada um de nós, ali. Ainda sem um objetivo definido concreto. Lutando por causas válidas, muitas. Por tempo demais em silêncio, gritamos, em uníssono, "Cansei dessa baixaria".

E amanhã tem mais. E amanhã vai ser maior. E eu vou de tank.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Do dia dos namorados

Parabéns, pois, a vocês que têm um ao outro, de maneira especial. Dos sentimentos e palavras e gestos e loucuras e ideais, o amor é o mais crível. O mais nobre. O mais bonito e o que o mundo mais precisa. A gente vive num lugar anestesiante que banaliza a violência, cria barreiras e distancia as pessoas. E ele faz a gente esquecer disso. Se Lembrem. Amem :)

terça-feira, 19 de março de 2013

Ubuntu


Outro dia, durante a aula de redes convergentes, surgiu um debate entre os alunos sobre a importância do dinheiro e, pra minha surpresa, a maioria dos colegas acabou aceitando que com dinheiro o suficiente, qualquer tipo de trabalho vale a pena e que todo mundo acaba cedendo a quem pagar mais. Parte da elite intelectual e tecnológica jovem, por maioria, pensa assim e isso me deixa triste.

Tem uma frase do Robert Frost que me remete muito à essa discussão que, traduzida, fica mais ou menos assim: "Trabalhando duro, oito horas por dia, você pode, um dia, chegar a ser chefe e trabalhar doze horas por dia".

Dinheiro não é tudo. Quem tem como único objetivo ficar rico tá fazendo o quê pra contribuir com esse planeta? Se o único fim é o lucro, até onde se está disposto a sacrificar o bem estar - próprio e dos outros - em nome disso?

Não me entendam errado. Dinheiro é importante. Ele pode ser trocado por bens e serviços. Mas não é tudo. É mais importante ter um objetivo do que se quer ser. Se esforçando o suficiente, se pode chegar a ser um excelente programador, um excelente gestor, um excelente jogador de boliche, um excelente catador de lixo. Mas ninguém se torna um excelente rico. Tenha um ideal do que queres ser. Nutra ele. Cuide dele. Seja ele, que dinheiro se consegue. Alguns poucos sortudos ficam ricos fazendo o que lhes é ideal, mas a maioria vai, minimamente, se virar. E vai se virar fazendo o que é bom pra si, evoluindo como ser humano junto com o grupo.

É fácil pensar que eu sou um utópico, um sonhador. Eu sou. Mas eu não estou só. Os meus heróis também são. Eles dedicaram e dedicam a vida lutando por isso. Acreditando nisso. Morrendo por isso. Vivendo isso.

Eu não me refiro a revolução. Mudar o mundo, todo mundo quer. Os mais pessimistas podem dizer que de nada adianta e que o mundo não tem jeito, mas tem, e a mudança já ocorre. As grandes empresas hoje têm que ter responsabilidade social, responsabilidade cultural, responsabilidade ambiental. Não sou ingênuo a ponto de acreditar que elas fazem isso unicamente em prol do bem do mundo, mas elas fazem isso por que o mundo exige que elas o façam. E tudo isso é óbvio. O coletivo querer o bem do coletivo. Eu já estive em países ricos e países pobres. Na abundância em meio a miséria e na miséria em meio a abundância. Estive em asilos, hospitais, igrejas, orfanatos, templos espíritas, terreiros de macumba e casas de santo. Não importa a cor, a crença a sexualidade ou a nacionalidade - todos esses grupos compartilham um objetivo: o bem do grupo.

A maioria deve conhecer o sistema operacional, mas todo mundo sabe o que significa Ubuntu?

“Um antropólogo que estudava os usos e costumes de uma tribo africana propôs uma brincadeira inofensiva às crianças. Encheu um pote com doces e guloseimas e colocou-o debaixo de uma árvore. Depois, chamou as crianças e combinou que quando desse o sinal, elas corriam para o pote e a que chegasse primeiro ficava com todos os doces que estavam lá dentro.
As crianças posicionaram-se na linha de partida que ele desenhou no chão e esperaram pelo sinal combinado. Quando deu o sinal, todas as crianças deram as mãos e começaram a correr em direção à árvore onde estava o pote. Quando lá chegaram, distribuiram os doces entre si e começaram a comê-los.
O antropólogo foi falar com as crianças e perguntou porque razão tinham ido todos juntos quando o primeiro a chegar ficaria com tudo que havia no pote e, assim, comeria muito mais doces.
As crianças responderam: ‘Ubuntu, tio. Como poderia um de nós ficar feliz se todos os outros estivessem tristes?’”

Ubuntu significa "Eu sou quem sou porque somos todos nós".

Então, cara, se esforce. Dê o sangue. Caia. Levante. Falhe. Tente de novo. Falhe de novo. Se exceda e conquiste, mas não priorize o dinheiro. A gente faz parte de uma tribo filhadaputamente enorme. Priorize a tribo. Priorize Ubuntu.

domingo, 11 de novembro de 2012

Depression ramblings

Foi o Randall que disse "... vivemos presos em laços. Revivendo alguns dias repetidas vezes e visionamos só alguns poucos caminhos à nossa frente. Vemos as mesmas coisas a cada dia, respondemos da mesma maneira, pensamos os mesmos pensamentos, cada dia uma pequena variação do anterior, cada momento seguindo suavemente as delicadas curvas das normas sociais. Agimos como se, se conseguirmos passar por hoje, nossos sonhos vão voltar amanhã".

Meus melhores dias tem sido cansativos e marcados por decepções. Nos piores, eu durmo. A letargia e o sentimento de inutilidade tem me posto cada vez mais introspectivo e eu não sei o motivo. Nunca soube, apesar das especulações. Isso já me acontece há anos. 6? 8? 10? Não sei. Me questiono se já fui verdadeiramente feliz, às vezes. Já estive realizado profissional, social, acadêmico e amorosamente e não lembro de ser muito menos triste do que sou hoje. Acho que o que incomoda, o que me empurra a externalizar, é a frequência com a qual isso tem se apresentado. E os episódios tem se prolongado. Dias passaram a ser semanas e assim, de repente, estou três semanas em casa, saindo duas vezes, pra ir ver a alguns amigos.

domingo, 11 de março de 2012

Da sanidade


Todo dia eu questiono a minha sanidade.

Eu tinha uma amiga que ficava extremamente ofendida se alguém perguntasse se ela era doida. Uma pergunta do tipo “Não vou fazer isso, tu é doida?” era motivo pra ela fechar a cara. Bobagens à parte, no sentido de não saber interpretar uma expressão coloquial, – afinal de contas, duvido que as pessoas partam do pressuposto que os interlocutores são, na verdade, mentecaptos, quando assim indagam – eu gostaria de responder, sempre que possível, sim.

Não de possuir um distúrbio psicológico que realmente atrapalhe o andamento da minha vida (apesar de eu possuir certo fascínio pelos loucos – herdei da minha mãe), mas eu não quero acordar um dia e descobrir que eu sou uma pessoa “normal”. Da que vive pra comer. Da que acorda pra trabalhar pra poder dormir pra poder acordar pra trabalhar. Ah não.

Ser nerd e estudante de computação me põe na cabeça das pessoas como um robô. Acham esquisito que eu tenha medos, que eu tenha alguma fé, que eu seja um ser orientado pela paixão. Eu tenho e sou tudo isso. E eu tento expressar do jeito que consigo. Aliás, paixão é o impulso desse mundo. Mas isso fica pra outro texto, um de comida, provavelmente.

Todo dia eu questiono minha sanidade e eu espero nunca perder essa dúvida.